Mercedes-Benz Enfrenta Prejuízo com Atraso de Pagamento por Ônibus Elétricos em São Paulo

Transportes
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A Mercedes-Benz do Brasil vive uma situação delicada. A empresa aguarda há meses o pagamento de aproximadamente R$ 300 milhões pela entrega de 175 ônibus elétricos destinados à cidade de São Paulo. Os veículos, fornecidos em 2024, ainda não foram integrados à frota municipal devido à ausência da infraestrutura de carregamento — um gargalo que ameaça o ritmo da transição energética no transporte público paulistano.

Embora a prefeitura tenha anunciado, apenas nos primeiros quatro meses de 2025, a entrega de 226 ônibus elétricos, os 175 veículos entregues pela Mercedes-Benz não fazem parte dessa contagem oficial. Isso porque, por contrato, o pagamento à montadora e demais fornecedores só acontece após a finalização de todo o pacote: veículos prontos para circular e infraestrutura de recarga operando nas garagens.

Um modelo que gera prejuízo

Walter Barbosa, vice-presidente de Vendas e Marketing da Mercedes-Benz do Brasil, explica que o problema não está em inadimplência, mas na estrutura contratual. “Não estamos falando de calote. Esse valor será pago. O que ocorre é que, enquanto a infraestrutura não está pronta, nós que já entregamos os ônibus ficamos com o ônus financeiro”, relata.

Com a SELIC beirando a 15% ao ano, a montadora amarga um custo financeiro estimado em cerca de R$ 3 milhões por mês pela defasagem no recebimento. “O ônibus elétrico é quase um produto perecível. Ele não pode ficar parado, porque a bateria tem vida útil limitada, mesmo fora de uso. É um desperdício técnico e financeiro”, pontua Barbosa.

Um impasse estrutural

O cerne do problema está na infraestrutura de recarga, de responsabilidade da Enel. Muitas garagens de operadoras de ônibus estão em regiões periféricas da cidade, onde o fornecimento de energia elétrica é insuficiente. Para suprir essa demanda, a Enel precisa construir subestações — obras que exigem tempo e altos investimentos.

“Temos visto um movimento das empresas comprando ônibus, preparando suas estruturas internas, mas faltando o principal: a conexão elétrica de média ou alta tensão por parte da Enel. Isso trava todo o processo e gera efeitos em cadeia”, explica o executivo.

Frotas antigas e metas ambientais comprometidas

Desde outubro de 2022, as operadoras estão proibidas de adquirir novos ônibus a diesel. A intenção era clara: acelerar a descarbonização do transporte público. No entanto, sem a liberação dos elétricos por falta de energia, as empresas têm sido forçadas a operar com veículos antigos.

Em dezembro de 2024, diante do impasse, a prefeitura flexibilizou temporariamente os contratos, permitindo a circulação de ônibus com mais de 10 anos de uso — acima do limite previsto. O reflexo? Maior consumo de combustível e emissão de poluentes, exatamente o contrário do objetivo original.

“Estamos diante de um paradoxo. Queríamos avançar na mobilidade elétrica, mas estamos regredindo porque o modelo atual de contrato não prevê responsabilidades cruzadas. A montadora não tem vínculo com quem fornece energia, e todos acabam penalizados”, lamenta Barbosa.

Um apelo por revisão contratual

A Mercedes-Benz defende uma revisão urgente no modelo de subvenção. A proposta é que os contratos sejam segmentados por fornecedor, com pagamentos proporcionais conforme a entrega de cada etapa — ou então que haja previsão de multas e compensações financeiras para os casos de descumprimento de prazos.

“Se nada mudar, será impossível continuar vendendo. Só faremos novas entregas mediante comprovação da infraestrutura pronta. É uma medida de proteção mínima”, conclui Barbosa.

A situação escancara um desafio maior do que apenas tecnológico ou logístico. É um chamado à responsabilidade coletiva para que o sonho da mobilidade limpa não se perca em trâmites burocráticos e atrasos estruturais.